sexta-feira, dezembro 8

Um pouco de Hilda Hilst

Para quem não conhece, Amavisse:

Como se te perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas

Sob um amarelo) assim te apreendo brusco

Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,

A mim me fotografo nuns portões de ferro

Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima

No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações

Ou contornando um círculo de águas

Removente ave, assim te somo a mim:

De redes e de anseios inundada.

(II)

* * *

Descansa.

O Homem já se fez

O escuro cego raivoso animal

Que pretendias.

(Via Vazia - VIII)

(Amavisse - São Paulo: Massao Ohno Editor, 1989.)

Fonte: Site oficial de Hilda Hilst

A amargura do abandono

Contigo dividi meus sonhos mais íntimos.

Você conhece meus pensamentos, até os mais ínfimos.

Minha esperança esteve derramada sobre seu colo.


O que eu posso fazer? Você me deixou.

Esqueceu-se do completo amor, me abandonou.

Como eu hei de viver assim?


Quero, de mim, você perto

Embora não posso negar que me deixaste o peito aberto.

Feriu-me! Não sei se há volta, pois aprendi a curtir a revolta.


Sou um execrado, humilhado, escrachado

Mas tudo isso tem me preparado.

Sobre tudo estou firmado alegremente.


Tenho prazer nessa nova fase, mas deixe doer

Afinal que regozijo se entenderia sem o sofrer

Em tudo tem seu tempo, nada chega a ser um tormento.


Na vida do homem não pode faltar amargura

Por mais que vida nem seja tão dura

Quem não se amargou nunca conhecerá o doce do viver.


João Claudio de Lima Júnior; 08/12/2006 para Ludmilla

quinta-feira, dezembro 7

Dois Poemas

Mão Dupla


Adeus, ela disse

Depois disso, estilhaços e sangue

Suor e lágrimas ,lágrimas ,lágrimas

Que venham o sono fingido e o sorriso amarelo

Que venham o conformismo e as perguntas estúpidas

A mão no ombro e a vida é assim, o amor é assim

Um dia de tempestade, outro de bonança

Foi o que ela disse ao voltar

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Crise (in)existencial

Não sou nada

Eu sou nada

Não tenho certeza

Só sei que quero ser nada

Não quero ser nada

Vazio, nulo, inexistente

Disso eu sei:

Quero ser insípido, inodoro, silente

Como era no princípio e como há de ser no fim

Diego Froes

(Letras 1º período)

domingo, dezembro 3

Despertar


Antes do amanhecer ensolarado daquele dia, Adriel Voughlie ocultou-se em seu seguro refúgio.

Quando a noite apoderou-se do tempo, Adriel despertou e foi em direção ao lugar onde deixara Ricardo repousando. Ao entrar no cômodo, notou que Ricardo tentara levantar, mas não tinha força para fazê-lo; estava visivelmente pálido, cansado, os olhos meio fechados, respirando com dificuldade, fazendo enorme esforço para ficar de pé; quando percebeu não estar mais sozinho, levantou os olhos e viu um vulto caminhando em sua direção.

Aproximando-se dele, Adriel ajudou-o a sentar, apoiou a cabeça dele na parede da cripta e o soltou; Ricardo estava com a visão levemente embaçada, porém conseguiu enxergar o que Adriel acabara de fazer e ficou apreensivo: perfurou, com cuidado, dois pequenos orifícios em seu próprio pulso, iniciando um gotejar de sangue, e levou em direção à boca de Ricardo, que estranhou de início, mas ao sentir o cheiro do sangue penetrar em sua narina, arregalou os olhos e uma expressão prazerosa apossou-se de seu rosto. Sentiu-se faminto e uma força inexplicável nasceu de dentro dele, instigando-o a alimentar-se do que lhe estava sendo oferecido.

Ricardo, apoiado sobre os joelhos, fitou diretamente os olhos de Adriel como quem pede permissão para executar uma ação e este consentiu apenas com um discreto gesto, um aceno com a cabeça. Ricardo entendeu como um sim e segurou o antebraço de Adriel com as duas mãos, como um caçador segurando sua presa, e o conduziu até sua boca seca. Assim que começou a beber do sangue, Ricardo sentiu-se extremamente bem: um prazer inenarrável, uma força surpreendente. Enquanto preso ao pulso de Adriel, sugando aquele néctar que o revigorava, Ricardo começou a se levantar, os olhos bem abertos, uma expressão de saciedade brotando em seu rosto, seu corpo novamente forte.
(André Luís - Letras - 1º período - Candelária)